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20100220

Bola de Cristal



Tem músico que tem bola de cristal.
(que nem o Gil em 'De Bob Dylan a Bob Marley - um samba-provocação', feito lá nos idos de 1980, boa década musical essa, para todos os gêneros!)

O que era difícil imaginar seria a associação (casamento?) de tantas artes cênicas moradoras dos teatros, muitas vezes do erudito com algumas manifestações de Momo.

Hoje ainda não tem ópera nem concerto no desfile de escola de samba do carnaval, mas ballet clássico já virou clichê. Com alguma sorte, vemos a presença de outras formas de dança interessantes, como Flamenco e Dança Classica Indiana (que são formas de dança teatro) e o samba das passistas já foi beber no Racks el Shark (dança árabe, dança do ventre).

Tem a ousadia de repetir perfeitamente uma coreografia mutante ao longo de 80 e tantos minutos. Muito planejamento, muito estudo, muito treino, heranças da disciplina das artes da ópera, das danças, para provar que disciplina traz encantamento e liberdade.



20100111

Priprioca



Priprioca. Este era o perfume e a estranheza do nome só poderia batizar uma essência de aroma particular capaz de identificar seu portador a bons metros de distância. Ela o usava diariamente e nem se dava conta dos rastos que deixava.

Morava em prédio pequeno, sem elevador. Quarto andar. Muitos degraus a subir ou descer. E, no contido espaço das escadas parte de seu perfume se fixava. O corrimão servia de suporte e receptor do aroma de suas mãos. E só poderia ser dali, do toque de outras mãos, que a essência da moça ficara conhecida pelos moradores.

Ela nem tomava conhecimento. Muito distraída. Tão distraída que, certo dia, apenas no trabalho,deu por falta de suas chaves. Todas elas. A do apartamento, da porta do prédio e do armário da escola. Preocupou-se, mas na certa esquecera em algum lugar da casa. Nem contaria ao marido. Chegariam juntos e assim que entrasse, vasculharia cada parte suspeita: gavetas, bolsos, bolsas, roupas da lavanderia, geladeira e lixo.

Procurou por toda parte.Nada encontrou. Resolveu tomar banho. Pensar melhor sob o chuveiro e, ao toque no registro, lembrou-se: havia trancado a porta pela manhã. Tinha certeza. A busca pela casa tornara-se inútil. Preocupou-se de verdade. Que teria feito das chaves?

Naquela noite, demorou a adormecer. Pensava na possibilidade de alguém invadir a casa e, ao mesmo tempo, planejava outra estratégia para não contar ao marido. Ele a criticava por ser distraída. Sairiam juntos e ela voltaria um pouco mais tarde, depois que ele já tivesse chegado.Assim, não precisaria das chaves.

O plano funcionou, mas sentiu que não poderia esconder a perda por muito tempo.Contaria tudo assim que tomasse banho. Ouviu a campainha. Não ligou. A presença do marido lhe pouparia o trabalho de atender.

Ao sair do banho, o marido a aguardava na porta . Foi um susto. Estava encostado na parede com suas chaves na mão...

- Você achou?

- Nem sabia que estavam perdidas, mas o rapaz do primeiro andar- o músico cabeludo - recebeu de uma senhora que as encontrou na porta da rua. Ela lhe perguntou se conhecia o dono e ele respondeu que sim.

- Ele disse que sim?

- Isso mesmo! Reconheceu suas chaves.

- Isto é brincadeira. Não há nada que me identifique e nem ao apartamento.

- Há sim ! O rapaz disse que sentiu o seu perfume. Que as chaves guardavam sua fragrância e ainda complementou perguntando:

-É priprioca, não é?

Naquela noite, a moça que se perfumava para dormir, contentou-se com o cheiro de banho. Dormiu tranqüila. O marido não.

Maria Alice Zocchio
Publicado no Recanto das Letras em 16/03/2008
Código do texto: T903684