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20100111

Priprioca



Priprioca. Este era o perfume e a estranheza do nome só poderia batizar uma essência de aroma particular capaz de identificar seu portador a bons metros de distância. Ela o usava diariamente e nem se dava conta dos rastos que deixava.

Morava em prédio pequeno, sem elevador. Quarto andar. Muitos degraus a subir ou descer. E, no contido espaço das escadas parte de seu perfume se fixava. O corrimão servia de suporte e receptor do aroma de suas mãos. E só poderia ser dali, do toque de outras mãos, que a essência da moça ficara conhecida pelos moradores.

Ela nem tomava conhecimento. Muito distraída. Tão distraída que, certo dia, apenas no trabalho,deu por falta de suas chaves. Todas elas. A do apartamento, da porta do prédio e do armário da escola. Preocupou-se, mas na certa esquecera em algum lugar da casa. Nem contaria ao marido. Chegariam juntos e assim que entrasse, vasculharia cada parte suspeita: gavetas, bolsos, bolsas, roupas da lavanderia, geladeira e lixo.

Procurou por toda parte.Nada encontrou. Resolveu tomar banho. Pensar melhor sob o chuveiro e, ao toque no registro, lembrou-se: havia trancado a porta pela manhã. Tinha certeza. A busca pela casa tornara-se inútil. Preocupou-se de verdade. Que teria feito das chaves?

Naquela noite, demorou a adormecer. Pensava na possibilidade de alguém invadir a casa e, ao mesmo tempo, planejava outra estratégia para não contar ao marido. Ele a criticava por ser distraída. Sairiam juntos e ela voltaria um pouco mais tarde, depois que ele já tivesse chegado.Assim, não precisaria das chaves.

O plano funcionou, mas sentiu que não poderia esconder a perda por muito tempo.Contaria tudo assim que tomasse banho. Ouviu a campainha. Não ligou. A presença do marido lhe pouparia o trabalho de atender.

Ao sair do banho, o marido a aguardava na porta . Foi um susto. Estava encostado na parede com suas chaves na mão...

- Você achou?

- Nem sabia que estavam perdidas, mas o rapaz do primeiro andar- o músico cabeludo - recebeu de uma senhora que as encontrou na porta da rua. Ela lhe perguntou se conhecia o dono e ele respondeu que sim.

- Ele disse que sim?

- Isso mesmo! Reconheceu suas chaves.

- Isto é brincadeira. Não há nada que me identifique e nem ao apartamento.

- Há sim ! O rapaz disse que sentiu o seu perfume. Que as chaves guardavam sua fragrância e ainda complementou perguntando:

-É priprioca, não é?

Naquela noite, a moça que se perfumava para dormir, contentou-se com o cheiro de banho. Dormiu tranqüila. O marido não.

Maria Alice Zocchio
Publicado no Recanto das Letras em 16/03/2008
Código do texto: T903684

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